Eis que o animal se contorcia violentamente em dores e prantos. Ele parecia possesso. O suor lhe banhava a fronte escoriada, misturava-se ao sangue que escorria morno em pequenos fluxos ininterruptos. Grunhidos animalescos eram vomitados ali, ininteligíveis. Ainda carregava algo do seu idioma original, remanescência da terra de onde o bicho foi retirado. Perturbadora sonoridade. As carolas se aproximavam para assistir ao espetáculo. Cobriam as vistas com suas pequeninas mãos gordas na tentativa de dissimular o prazer frente ao sofrimento do corpo flagelado. Tentavam ignorar o animal, exposto vergonhosamente, vulnerável. Proferiam rezas e preces devidamente memorizadas, a purificação de suas almas perturbadas. Nada para o bicho!
Esta infame praça no centro da província, antigo cenário destinado a processos específicos de mortificação, recebia os curiosos já acostumados ao espetáculo de semelhante flagelo. Mero incentivo ao carrasco cínico com seu sorriso a estampar frente a agonia de um animal desgraçadamente submetido à autoridade.
O calor me irritava; o ar era muito desagradável. O mal-cheiro, que o corpo surrado exalava, era pungente. Excretas liberados involuntariamente escorriam por entre as pernas que tremiam e vacilavam. Espectadores atentos a cada expressão do bicho acorrentado à tora fincada verticalmente no chão sujo da praça. O olhar do carrasco frente ao animal.
Um golpe: um grito.
Era um preto. Até que caiu morto.
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