domingo, abril 03, 2011

O PASTOR

A menina se revira na cama velha onde estão ensopados, dum suor velho, os lençóis. O quarto mal iluminado encontra-se infestado por esta emanação infecta. A sua velha avó profere alguma prece que não compreendo. O dialeto é estranho a mim; já a mãe, mulher de meia-idade, está ajoelhada numa posição penitente. Outras mulheres em uníssono cantarolam uma música ancestral. E a menina... A menina se contorce com mais violência; abruptamente. 

É dramático ver os espasmos deste corpo macilento, sem roupas. Percebo um riso no canto daquela boca. Uma voz gutural... Ela rosna. Todos, atônitos, estão paralisados pelo temor. A voz é ameaçadora, ainda que eu não entenda o que acabou de ser dito. Prantos inauditos... O calor aumenta e o fedor se torna mais acre. No meu relógio já se marca o fim da tarde. O crepúsculo se revela lá fora; o quarto cada vez mais lúgubre e mórbido se torna. É insuportável, sufocante e mortífero continuar assistindo tão grotesca cena. À porta alguém bate apressadamente. Um anônimo corre para abri-la. Este volta correndo e gritando alto:

-É o pastor! É o pastor!

O recém chegado pastor adentra ao quarto nauseabundo e não se impressiona com a devassidão da posição da jovem. Não se incomoda com o fedor. Não me percebe ali. Ele parece já ter um vasto conhecimento acerca destas manifestações obscuras duma mente perturbada. Diz numa voz seca e ríspida:

-É um espírito malígno que se apossou desta criança.

Todos silenciam diante da sentença. O meu interesse começou a aumentar...

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